A fala é pausada e o sorriso, apesar de contido, fácil e verdadeiro. No hotel em que o Flamengo está concentrado, no bairro da Savassi, em Belo Horizonte, onde enfrenta o Atlético-MG, hoje, domingo, às 16h00, o técnico Dorival Júnior falou, pela primeira vez, sobre temas delicados.
Na pauta, a saída repentina do Ceará e a chegada ao Flamengo, substituindo o português Paulo Souza, no meio do campeonato. Considerações sobre o elenco rubro-negro, desde a chegada de Everton Cebolinha até a manutenção na equipe de jogadores experientes, porém questionados pelo torcida, como o meia Diego Ribas. Dorival também falou sobre um futuro-possível: a Seleção Brasileira.
A chegada milionária de Everton Cebolinha
Para o jogo de daqui à pouco, no Mineirão, Dorival não vai poder contar com Bruno Henrique, que teve uma lesão grave no joelho e corre o risco de não jogar mais esse ano.
Em compensação, o treinador terá a volta do zagueiro Rodrigo Caio, homem de sua confiança (os dois trabalharam juntos no São Paulo). O Flamengo deve ir a campo com: Diego Alves, Matheuzinho, Rodrigo Caio, Pablo e Ayrton Lucas; João Gomes, Andreas Pereira, Everton Ribeiro, Arrascaeta, Vitinho e Gabigol.
A equipe acima, uma verdadeira seleção, vai ganhar mais um reforço: Everton Cebolinha desembarcou ontem, sábado, no Brasil e está contratado pelo Flamengo. Pelo atacante, de 26 anos, o Flamengo vai pagar ao Benfica um valor fixo de 13,5 milhões de euros (R$ 72,5 milhões) em seis parcelas até o final de 2024. O total, com metas estipuladas no contrato, chega a 16 milhões de euros (R$ 85,9 milhões). Uma fortuna para um time de milhões.
Pergunto a Dorival sobre o jogador, que chega da Europa com status de estrela e ainda sonha com a Copa do Mundo no Catar, em novembro.
“Um jogador muito importante: é mais um atleta de Seleção para reforçar este grupo que já é muito bom. Eu espero que ele seja muito feliz e alcance seus objetivos dentro do clube”, diz o técnico parecendo não querer diferenciar o atacante dos outros jogadores do Flamengo.
“Eu nunca tirei o Flamengo da minha cabeça”
Quem se depara com o treinador, à primeira vista, não imagina que ele dirige o clube que tem 1/4 da torcida do país. Sim, o Flamengo é o mais popular do Brasil. Na última terça-feira, em pesquisa realizada pela Sport Track, em um relatório da consultoria Convocados, em parceria com a XP Investimentos, a agremiação segue sendo aquela com o maior número de torcedores no Brasil.
Os rubro-negros representam 24% dos brasileiros, seguidos pelas torcidas de Corinthians (18%), São Paulo (11,5%) e Palmeiras (9,8%). Dorival se rende ao povo:
“É a minha terceira passagem pelo clube, fiquei muito feliz com esse convite. Nunca tirei o Flamengo da minha cabeça e sempre achei que voltaria em algum instante. Graças a Deus acabou acontecendo”, entoa como uma oração.
Ao mesmo tempo em que agradece a oportunidade, é consciente das cobranças. “Vou fazer o meu melhor, com os melhores resultados, pode ter certeza”, enfatiza, convicto.
A primeira vitória: “é muito pouco ainda”
O Flamengo alcançou a primeira vitória sob o comando de Dorival na noite da última quarta-feira (15), batendo o Cuiabá por 2×0, no Maracanã. O jogo foi pela 12ª rodada do Campeonato Brasileiro. Com o triunfo, o primeiro após uma sequência de três derrotas, o Rubro-Negro chegou aos 15 pontos.
“Nós temos que nos reequilibrarmos primeiro. Foi um bom jogo, muito bem jogado pela equipe, conseguimos um ótimo resultado, mas é muito pouco ainda”, pondera o treinador com a habitual tranquilidade no jeito de falar.
Questiono sobre o que falta, então, para o Flamengo embalar no Brasileirão. A resposta é assertiva, matemática, categórica:
“Precisaremos de muito mais para nos reencontrarmos. Temos que buscar o principal nesse instante, que é somar pontos para nos aproximarmos das equipes que estão brigando pela liderança”.
‘Geração 85’: a grande polêmica
Dorival sabe que um novo resultado positivo hoje, contra o Galo, pode aliviar de vez a tensão. Mais que isso, a sinergia com a torcida, que já aplaudiu o time na última partida, pode voltar.
Para isso, no entanto, tem que lidar com uma questão delicada. A permanência da chamada ‘geração 85’ do Flamengo, composta pelos jogadores mais experientes que, na visão de alguns torcedores, já deveriam ter encerrado o ciclo na temporada passada.
O alvo maior é o meio-campista Diego Ribas. Na saída do gramado no Beira-Rio, em Porto Alegre, na derrota para o Inter, quando Dorival estreou, há uma semana, o jogador foi questionado sobre o momento conturbado na temporada, e adotou um discurso de divisão de culpa com a antiga comissão técnica:
“Tem que evoluir e deixei bem claro que a responsabilidade não é só da comissão ou do Paulo Sousa, a responsabilidade é do grupo, nós estamos aqui em conjunto, nós temos responsabilidade e ele teve a dele, nós temos que ser homens para assumir e melhorar. É isso que nós vamos fazer, não tem muito segredo, não tem nada o que esconder, nós nunca tivemos”, disse o experiente meio-campista, que foi colocado por Dorival Júnior no segundo tempo do jogo.
A fala gerou protestos nas redes sociais. Como o meia faz parte da já retratada ‘geração 85’, que ainda conta com Diego Alves e Filipe Luís, torcedores o chamaram de ‘paneleiro’. Parte dos rubro-negros estão convencidos que esses jogadores já deveriam ter saído. Diego Ribas, inclusive, já teria recebido sondagens do Grêmio e do futebol árabe.
“O Diego é um atleta que se entrega por inteiro. É impressionante o que ele treina, o que ele trabalha e o quanto é importante para esse grupo”, contemporiza Dorival que ainda sinalizou um pacto de união com esses jogadores, lembrando as recentes conquistas do Flamengo:
“São grandes jogadores. Não podemos descartá-los de forma nenhuma. Temos que ter muito respeito e admiração pelo que que já alcançaram dentro do clube”.
Insisto com Dorival sobre o desgaste, principalmente com o torcedor, em mantê-los. De novo, a palavra equilíbrio toma conta da narrativa:
‘Vamos ter calma para alcançar nosso equilíbrio com o apoio e a participação dos jogadores que estão no elenco. Mais que isso, vamos mostrar o quanto são profissionais, o quanto são responsáveis’, pacifica o técnico.
Saída tumultuada do Ceará
A chegada de Dorival Junior ao Flamengo, no último dia 10, mexeu com os bastidores do Ceará e irritou o presidente Robinson de Castro. O mandatário não gostou da atitude do treinador e disse que não foi procurado pelo Flamengo.
“O Flamengo não procurou o Ceará, foi direto no Dorival. Ele me chamou para uma conversa, disse que tinha sido uma sondagem, mas acredito que ele estava com a decisão tomada. Não havia muito como tentar convencer ele a ficar. É algo natural”, disse o presidente à ESPN naquela semana.
Não havia como fugir da questão. Nem a mim como jornalista, nem a Dorival, como protagonista da história. Coloco as cartas na mesa. Ele também:
“Nunca havia feito isso, de sair de um clube e ir para outro. Foi a primeira vez. Por que fiz? Tinha um compromisso comigo mesmo em relação a um retorno ao Flamengo”.
Gratidão ao Ceará e ao presidente
Grato, Dorival continua, quase como num fluxo de pensamento:
“Agradeço muito à Diretoria, ao Presidente, aos atletas do Ceará e, principalmente, a seu torcedor, que me receberam muito bem. É um clube pelo qual eu tentei fazer o meu melhor sempre”.
Assim como o Presidente do Ceará, Dorival Júnior também vê como natural o movimento do futebol. E não se deslumbra em estar dirigindo o maior time do Brasil pela terceira vez:
‘Espero repetir o trabalho do Ceará no Flamengo. Levar aos melhores resultados possíveis. Sempre’. Parece um mantra de um treinador acostumado a colecionar títulos em pouco tempo de carreira.
Trajetória vitoriosa e sem alarde
Dono de mais de uma dezena de títulos, entre competições estaduais, nacionais e internacionais, Dorival começou a ganhar destaque no cenário nacional há pouco mais de dez anos, em 2009.
No Vasco, o treinador comandou o retorno do clube à Série A, foi campeão da Série B daquele ano e chegou à semifinal da Copa do Brasil. No ano seguinte, foi para o Santos de Neymar e conquistou o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil. De lá para cá, passou por equipes como Atlético-MG, Internacional, Palmeiras, Flamengo, Fluminense e São Paulo.
A lista de títulos é imensa: Campeonato Catarinense 2004 (Figueirense), Campeonato Cearense 2005 (Fortaleza), Campeonato Pernambucano 2006 (Sport), Campeonato Paranaense 2008 (Coritiba), Campeonato Brasileiro Série B 2009 (Vasco), Copa do Brasil 2010 (Santos), Campeonato Paulista 2010 (Santos), Recopa Sul-Americana 2011 (Internacional), Campeonato Gaúcho 2012 (Internacional), Campeonato Paulista 2016 (Santos) e Campeonato Paranaense 2020 (Athletico). Dorival não se gaba. Trabalha.
Seleção Brasileira: um horizonte?
Dorival é um verdadeiro construtor de craques. Tem participação na formação de jogadores da Seleção de Tite, como Éder Militão, Philippe Coutinho e Neymar, entre outros. Os dois últimos são protagonistas de transferências estratosféricas do futebol: Neymar saiu do Barcelona para o PSG por € 222 milhões (R$ 812 milhões), e Coutinho foi do Liverpool ao Barcelona por € 163 milhões (R$ 633 milhões).
De olho nessa trajetória, pergunto se o Flamengo pode ser um caminho para a Seleção Brasileira, após a Copa do Mundo. Júnior – como o chamo – desconversa. Discreto, prefere exaltar as qualidades da equipe de Tite:
“Fico sempre na torcida. O Tite tem um trabalho brilhante. Nós temos uma das melhores Seleções do mundo e, com certeza, somos um dos favoritos à conquista de mais uma Copa”, diz, em tom solene. Ainda assim, é contido quanto a um possível título mundial:
‘Não tenho dúvidas que faremos uma grande competição. Para isso precisamos estar totalmente focados e concentrados’, sentencia.
Ouvindo Dorival, sem paixões, é possível chegar à conclusão de que o Flamengo contratou um treinador que tem os pés no chão, sem ilusões. E, por isso, pode chegar longe. Muito longe.