Carta a Elano

Carta a Elano (Foto: Jonatan Dutra/Ferroviária SA)

Prezado Elano

Frequento a Ferroviária desde os 7 anos de idade, portanto, há quarenta. Joguei nas divisões de base. Todas. Não fui tão bom quanto você dentro de campo, mas segui leal ao time e à história. Amo a AFE.

Boa parte dos que estão lendo não sabem, mas participei ativamente do processo de transformação do antigo clube ferroviário em S/A, em 2003, conduzido pelo prefeito da época, que é o mesmo de hoje. Aliás, a Ferroviária –  que paga o seu salário – só existe ainda dentro de campo por conta deste modelo.

Bem, naquela época de transição da Ferroviária, em meados de 2000, convidei, a pedido da diretoria, o Dorival Júnior para o seu primeiro trabalho como treinador de futebol. A cidade o adora, como eu disse aqui no podcast do Denilson (a partir de 1:52:20).

E você, Elano, foi assistente do Dorival no Santos antes da saída mal explicada dele. À época, num Palmeiras e Santos, o Cuca e o Cuquinha (irmão e auxiliar) se exaltaram  por conta de uma suposta participação sua na demissão do Dorival. As reportagens e as imagens do fim do jogo mostram o Cuca falando que você ‘estava indo pelo caminho errado’.

Mas o que fica ruim mesmo é a vaidade e a ideia de superioridade. Tratar as pessoas de cima para baixo. No sábado, te perguntei sobre a ausência do Júlio Vitor, se houve algum desentendimento.  Você não respondeu. E disse que minhas colocações ‘eram muito pesadas e negativas’.

Decerto estava se referindo à informação que levantei durante a semana, de que os novos investidores – que também anunciei em primeira mão, –  já estariam em busca de um novo treinador.

Como também publiquei na capa do UOL, em novembro de 2019, a chegada do Saul Klein aqui na Ferroviária. O mesmo Klein que nos tirou das páginas esportivas e levou às policiais pelos escândalos sexuais. As reportagens são públicas e de diferentes portais. É só clicar.

Você já foi comentarista – aliás o que tem de ex-jogador tomando espaço de jornalista não é brincadeira – e sabe que a nossa matéria-prima é informação. Portanto, dizer na entrevista coletiva depois do jogo que acredita que eu ‘não tinha a informação, e que acha que era mentira’, beira à desonestidade intelectual.

O mais grave para um jornalista é não dizer a informação apurada. E que bom que muitos outros também o fazem.  Vou te dar um exemplo: os números que você tanto cita nas entrevistas coletivas, são desmentidos por colegas. Mas o negócio é comigo, né.

Não sei se você tem aqueles cursos mandrakes da CBF. Creio que sim. Quase todos os seus colegas retranqueiros tem. E a pessoa de quem você desdenha tem 1 mestrado e 5 livros sobre futebol, além de ter trabalhado em todas as emissoras e ser colunista dos principais portais do país. Algo que você, certamente, não imagina o que é.

Sei que isso soa cabotino, mas acho necessário agora. Tenho um histórico de furos de reportagem na carreira. O Cabrini, referência no investigativo, escreveu a quarta capa de um dos meus livros. O Ignácio de Loyola Brandão, imortal e araraquarense, escreveu a apresentação.

Desconfio que a forma como me tratou não parta somente de você. Mesmo querendo me desqualificar e citar meu nome errado ao dizer que não lê o que escrevo, outras pessoas, como você mesmo disse, te mostram minhas reportagens e opiniões.

‘Uma coisa eu te garanto’ (usando outra frase sua na coletiva): amo a Ferroviária. Há quem ame a Ferroviária e quem use a ‘marca’ Ferroviária. Propósitos diferentes.

Só pra você ter uma ideia, meus últimos três meses tem sido alternados entre hospital e escrever sobre a Ferroviária no blog e nas redes. Por conta dos cuidados com a mãe emagreci 8 kilos.  Só te conto isso porque você colocou a vida pessoal no meio da entrevista. Eu nunca toquei nela. Não é minha praia.

Você insistiu. Disse que ficava 10 dias sem ver a filha, falou da doença do pai. Sou muito solidário a isso. Falo sério. Tanto é que sempre soube que você alterava períodos de treinos para ver a família e nunca noticiei isso porque acho justo, sagrado. Só escrevo agora porque você levantou a lebre.

Tudo bem que a entrevista foi logo após o jogo. Eu também fiquei chateado com as tuas respostas e, por isso, deixei pra te escrever no dia seguinte. Paixão duvidosa vende mais que informação, porque a emoção cega o raciocínio e é mais fácil de entender, mais palatável.

Você já sabe que não vai ficar. Não iluda o torcedor ou a você mesmo. Seu projeto de carreira não é este: ‘O meu foco é fazer o campeonato paulista e ir pra série A’, você disse aqui (a partir de 9:20), no podcast Flow.

Como você não tem rodagem, contratou uma assessoria pra formar sua imagem como um treinador novo e badalado. Seu assessor é uma das melhores figuras e profissionais com quem já trabalhei. Nesta você acertou. Ele também me conhece. E isso basta.

Acho que no fundo, no fundo, te usaram, viu!  Porque esses investidores são assim: nos bajulam até o dia em nos jogam na sarjeta, como tem ocorrido repetidamente na Ferroviária — e o torcedor, na lata de lixo da história, afinal a contribuição deles – e a sua – para a história da Ferroviária, é nula, nada, nadica de nada.

Você é o oitavo técnico dessa gestão atual. E atenção! Nas trocas, agem de forma sorrateira. Ano passado informei que o Sérgio Soares não iria ficar e ele teve um comportamento semelhante ao teu. Depois que foi dispensado se disse surpreso.  O Sérgio é boa gente. Pergunte a ele.

Essa conversa me lembra um fato que aconteceu com o Juca Kfouri, que prefaciou um daqueles meus cinco livros, na Copa de 2010. Vou abrir um parêntese aqui pra dizer que você estava arrebentando. Acho até que iríamos mais longe se aquele volante da Costa do Marfim não tira você do Mundial.

Bem, o Juca escreveu uma coluna em que afirmava que o Kaká estava com uma lesão no púbis e que poderia abreviar sua carreira. O Kaká interrompeu uma pergunta do André Kfouri, que é filho do Juca e disse: “ o que me deixa triste é que o problema dele comigo não é profissional, mas porque ele não aceita minha religião”. Depois disse, nas redes sociais, que perdoava o Juca por todos ataques pessoais.

Lembrei isso de imediato porque no sábado, na entrevista, você disse que me perdoava. E eu, assim como o Juca naquele episódio, lamento que você contribua para o empobrecimento das discussões sobre futebol. A cada frase que você pronunciar agora haverá alguém disposto a procurar descompassos entre o lado pessoal e o lado técnico ou entre o que o futebol é e o que você pensa que ela seja.

Por fim, não estou bravo com você.

Cordialmente,

Rodrigo viana

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