Filho de Saul Klein rompeu com o pai. Defesa sustenta que o empresário é um sugar dady e
que não há crime. Repórter Rodrigo Viana mostra outros detalhes exclusivos do caso
O filho do fundador das Casas Bahia, Saul Klein, entregou o passaporte à Justiça e está proibido de ter contato com 14 mulheres que o acusam de aliciá-las e estuprá-las em festas que reuniam dezenas de garotas em sua mansão, em Alphaville, desde 2008. Saul Klein é filho de Samuel Klein, fundador das Casas Bahia que faleceu em 2014. Ele atualmente disputa a herança do pai na Justiça com o seu irmão mais velho Michel Klein, para quem Saul vendeu a sua parte societária na rede varejista em 2010. Especula-se que a venda tenha sido na casa dos 5 bilhões de reais. Pra se ter uma ideia da fortuna dos irmãos, Michel Klein foi listado em 2015 entre os 50 maiores bilionários do Brasil pela revista Forbes.
Saul Klein é o dono da Ferroviária de Araraquara – tem 51% das ações do clube e todo o Conselho Deliberativo, o que dá a ele um poder supremo nas decisões. Inclusive sobre o Departamento de Futebol Feminino, considerado pela Conferência Brasileira de Futebol, como o melhor do país.
No ano passado, a Ferroviária foi bicampeã brasileira, sendo a única equipe a ter dois títulos na competição, além de vice-campeã da Libertadores e vice-campeã Paulista no último domingo. Também tem ótimas campanhas nas equipes Sub-14, 16 e 17, com jogadoras na Seleção Brasileira em quase todas essas categorias. As chamadas ‘Guerreiras Grenás’ descobriram, agora, que tem um chefe acusado de estupro e aliciamento de mulheres, algumas menores de idade.
Mecenas do São Caetano e tentativa de entrar na política
Ele também foi – por mais de 20 anos – o mecenas que levou o São Caetano à proeminência do futebol nacional no final dos anos 90 e início de 2000. Foram milhões. Segundo o próprio Klein, ele teria doado R$ 80 milhões ao time do ABC. O empresário também foi candidato (não eleito) a vice-prefeito de São Caetano do Sul neste ano. Um homem poderoso.
Relações cortadas com o filho
O filho de Saul, Philip Klein, falou, com exclusividade, ao jornalista Rodrigo Viana. Afirmou estar com as relações cortadas com o pai. A razão seria as ingerências de Saul na Ferroviária, onde Philip atuava como Diretor Financeiro:
– As decisões eram tomadas somente por ele, isso atrapalhou muito. Tudo feito na emoção, sem racionalidade. Um erro, disse um amargurado Philip.
O erro e a desavença com o filho parecem ter sido o prenúncio das acusações de estupro e aliciamento contra Saul Klein. (o fato ficou público na noite de segunda-feira na coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo).
O Ministério Público de São Paulo quer garantias para o andamento da investigação das denúncias, que estão mantidas em segredo de Justiça em um inquérito policial aberto na Delegacia de Defesa da Mulher de Barueri. Em julho, a polícia arquivou outro inquérito com alegações semelhantes e que apurava a suposta exploração sexual de uma menor de idade por Klein. Dessa vez parece que o buraco é mais embaixo.
A defesa do empresário diz que o seu cliente é um ‘sugar daddy’ – termo que descreve homens que têm fetiche em sustentar financeiramente mulheres jovens em troca de afeto e sexo, mas alega que ele jamais cometeu os crimes apontados pelas vítimas.
– O sr. Saul Klein vem sendo vítima de um grupo organizado que se uniu com o único objetivo de enriquecer ilicitamente às custas dele, através da realização de ameaças e da apresentação de acusações falsas em âmbito judicial, policial e midiático – disse o advogado André Boiani e Azevedo, que representa Klein, à Folha de S. Paulo.
– Várias dessas pessoas já conseguiram se aproveitar dele em outras oportunidades, causando-lhe prejuízo milionário, e estavam acostumadas a essa situação. Quando perceberam que esse tempo acabou, passaram a difamá-lo publicamente – segue Azevedo.
– Ele (Saul) sente profunda indignação diante desse quadro, mas se defenderá com toda a tranquilidade, pois tem absoluta confiança na polícia, no Ministério Público e no Poder Judiciário, que já atestaram sua inocência em investigação anterior e certamente o inocentarão mais uma vez.
O advogado afirma que o seu cliente contratava uma agência que lhe trazia sugar babies – como são chamadas as garotas que se dispõem a serem bancadas pelos daddies – e que ele mantém diversos relacionamentos simultaneamente.
– Ele era o daddy de todos os daddies, do qual todas as babies gostariam de ser babies – contou Azevedo.
Azevedo aponta que os ataques têm por objetivo chantageá-lo e achacá-lo desde 2019, quando Klein parou de adquirir o serviço da empresa que lhe apresentava as mulheres, por desconfiar que os seus proprietários estavam tentando extorqui-lo.
Apoio do Staff
Funcionários e parceiros de Saul Klein parecem ter adotado a narrativa dos advogados. Marcelo Santoro é o MS, da “MS Sports”, braço esportivo que atende aos interesses de Klein e com a qual a Ferroviária tem a parceria firmada. Em uma rede social, ele postou:
– E as mulheres que recebiam para isso? Tá claro que elas eram muito bem pagas para estar onde estavam. Tá claro que era uma troca. Para mim é típico caso de chantagem e extorsão. Vamos aguardar o julgamento.
Logo depois de escrever, Santoro apagou a postagem.
Mas os relatos das 14 vítimas são fortes. A promotoria paulista solicitou à Justiça medidas restritivas para que o empresário não deixe o país nem contate as mulheres que o acusam. O pedido foi acatado pela 2ª Vara Criminal da comarca de Barueri.
“Segundo constou do requerimento, todas as mulheres acima foram vítimas de aliciamento sexual”, aponta o despacho da Justiça citando informações elencadas pela promotoria. “Eram procuradas por aliciadores em redes sociais e outros canais, informadas falsamente de que havia interesse na contratação delas por parte de uma empresa e conduzidas a uma apresentação, a título de teste, para o requerido Saul”.
“Os testes eram feitos em um flat e elas tinham que usar biquínis ou roupa íntima. Elas eram convencidas de que, se satisfizessem a lascívia do requerido Saul, poderiam ser contratadas para eventos na mansão de Alphaville, quando então receberiam de mil a três mil reais, ou numa casa de campo dele em Boituva”, segue a narrativa.
“Nesses eventos, que podiam contar com 15 a 30 moças, elas tinham que exibir o tempo todo de biquíni e submeter-se a atividades sexuais com o requerido Saul, inclusive de modo humilhante e a contragosto. Também podiam ter que ingerir droga, permanecer trancadas em um quarto por um dia inteiro e aceitar se submeter a consultas com médicos ginecologista e cirurgião plástico, respectivamente, para cuidar das persistentes e reiteradas doenças sexualmente transmissíveis que as acometia e de outras enfermidades que apresentaram, bem como receber aplicações de botox ou outros tratamentos destinados a prepará-las para as sessões com o requerido Saul”.
“Salientou o Ministério Público que o fato de que as propriedades sempre eram vigiadas por seguranças armados e que as mulheres eram submetidas a atos de brutalidade e de humilhação, exemplificando com cusparadas. Telefones celulares normalmente eram confiscados quando da chegada delas ao local”, cita o despacho. “Em razão da constante exploração, da dependência econômica, do subjugo físico e da intimidação moral, muitas mulheres adoeceram e uma delas chegou a se suicidar”.
“Foi realçado, ainda, o fato de que eram providenciados documentos falsos às mulheres, com nomes e demais dados alterados, o que era especialmente importante para as adolescentes”, emenda o documento sobre acusações sobre a possível relação de Saul com menores de idade.
“(Elas também disseram que) eram ameaçadas a não tratar do que ocorria nesses locais com quem quer que fosse, sob pena de sofrerem consequências”, continua.
Conversa com as vítimas
A reportagem da Folha conversou por telefone com duas das alegadas vítimas que acusam o empresário. Uma conheceu Saul em 2008 e conviveu com ele até este ano. A outra começou em 2013. Nenhuma delas quis se identificar, alegando que não querem ser expostas e que têm medo de represálias do empresário. Elas corroboram os relatos elencados na decisão judicial. Uma terceira suposta vítima desistiu de falar com a reportagem.
O advogado de Saul Klein aponta que a relação criada entre o empresário e as mulheres nem sempre acarretava em atos sexuais, mas que quando isso ocorria era consensual. Ele afirma que o empresário dava presentes a elas, mas que ele nunca fez pagamentos às suas amantes e não participava desta negociação – quem tratava disso era a agência, que também se responsabilizava por verificar as idades de todas as garotas para que fossem maiores de idade. Também alega que a menor de idade que se envolveu com ele apresentou documento falso porque queria ser admitida nos eventos de Saul.
A advogada Gabriela Souza, que representa as vítimas, afirma que só se manifestará em janeiro. A investigação segue em segredo de Justiça.
Entramos em contato com a assessoria de Saul Klein que disse que só se manifestará sobre o caso através dos advogados. Eles não foram encontrados.
A Ferroviária, time do qual Klein é o sócio majoritário, divulgou uma comunicado na tarde desta quarta-feira. Leia a mensagem na íntegra:
“Em relação à divulgação de acusações contra o empresário Saul Klein, a Ferroviária Futebol S/A comunica que aguardará pelas manifestações oficiais da Justiça acerca das investigações a serem realizadas pelos órgãos competentes.
A instituição se manifestará exclusivamente por seus canais oficiais de comunicação.”
Nota atualizada às 14h52
————–
*Rodrigo Viana nasceu em Ilha Solteira (SP), mas adotou Araraquara como cidade natal. Jornalista e Mestre em Estudos Literários, pela Unesp, foi professor de pós-graduação em Jornalismo Esportivo e Novas Mídias. Também foi colunista da Revista Imprensa e deste LANCE!. Ministrou palestras e workshops em parceria com a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom. Em 2013, lançou, no Museu do Futebol em São Paulo, o livro “A Bola e o Verbo – o futebol na crônica brasileira”, pela Summus Editorial.
Foi jogador das categorias de base da Ferroviária e integra a Seleção Brasileira de futebol dos escritores, o ‘Pindorama’, projeto que une Literatura e Futebol. Trabalhou em todas as grandes emissoras de TV do pais, com destaque para a cobertura da Copa do Mundo de 2014 pelo Sportv/Globo e o título mundial do Corinthians em 2012, no Japão, pelo SBT. Também denunciou o esquema de venda de ingressos pela Fifa na Copa das Confederações em 2013.